Publicidade dos atos estatais
A atuação estatal não se compreende senão quando fundada nos princípios da constitucionalidade, legalidade, impessoalidade, moralidade, finalidade e publicidade, sendo este último um dos princípios fundamentais do Estado constitucional. Isto porque, segundo Norberto Bobbio, "o caráter público é a regra, o segredo a exceção, e mesmo assim é uma exceção que não deve fazer a regra valer menos, já que o segredo é justificável apenas se limitado no tempo, não diferindo neste aspecto de todas as medidas de exceção" . Para Gomes Canotilho, a justificação do princípio da publicidade é simples: "o princípio do Estado de direito democrático exige o conhecimento, por parte dos cidadãos, dos actos normativos, e proíbe os actos normativos secretos contra os quais não se podem defender. O conhecimento dos actos, por parte dos cidadãos, faz-se, precisamente, através da publicidade".
De conseguinte, não há, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério, pois a publicidade (ou a transparência) no funcionamento dos poderes públicos é um dos pressupostos imprescindíveis para a caracterização de um Estado democrático de direito.
Contudo, consoante a lição de Bobbio, quem justificou de forma mais convincente a necessidade moral da publicidade do governo foi Kant, que definiu como "conceito transcendental do direito público" o seguinte princípio: "todas as ações relativas ao direito de outros homens, cuja máxima não é suscetível de se tornar pública, são injustas". Qual o significado deste princípio? Bobbio responde que, em termos gerais, "uma máxima não suscetível de se tornar pública é uma máxima que, caso fosse tornada pública, suscitaria tamanha reação no público que tornaria impossível sua realização"
Desse modo, se alguém não revela a sua conduta é sinal de que está disposto a realizar ações que, caso sejam conhecidas do público, serão consideradas injustas e até mesmo ilícitas. Por isso, a publicidade é a melhor garantia da moralidade de uma conduta, viabilizando, assim, o exercício popular do controle do poder. Além disso, a publicidade dos atos estatais é pressuposto para o exercício de diversos direitos fundamentais, tais como, a gratuidade de determinados serviços públicos, a necessidade de realização de matrícula escolar, a implementação de campanhas vinculadas à proteção da saúde ou de cidadania, entre outras. Neste aspecto, a chamada publicidade institucional oficial para divulgação de atos, programas, obras, serviços e campanhas, se consubstancia, a rigor, em um dever do administrador.
É certo, também, que não desnatura o caráter informativo da publicidade oficial, o fato de destacar atuações positivas do administrador. Afinal de contas, não é razoável que os assuntos administrativos cheguem ou não cheguem ao conhecimento do povo na dependência do interesse ou da boa vontade da imprensa. A prática demonstra que a Administração Pública só é notícia em seus aspectos patológicos ou quando não funciona a contento. Isto tem um terrível e grave efeito deletério: como o cidadão recebe apenas notícias negativas a respeito das instituições públicas, acaba tendendo a descrer de todo e qualquer governante, de seus representantes eleitos, da administração pública em geral e, por último, das instituições democráticas.
Verifica-se, desse modo, que a publicidade dos atos, programas, serviços e campanhas dos órgãos públicos, afora se consubstanciar em um dever do administrador, se revela como verdadeiro direito dos cidadãos, já que propicia um meio de controle popular do poder e fortalece outras dimensões da cidadania.
Por tal motivo, a publicidade obrigatoriamente deve se harmonizar com o princípio da impessoalidade, vez que não se revela lícito o administrador utilizar-se da legítima possibilidade de dar publicidade a seus atos para se autopromover, deturpando, assim, a verdadeira finalidade da publicidade institucional oficial, qual seja, educar, informar e orientar, prevista no art. 37, § 1º, da Constituição Federal, nos seguintes termos: "A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos."
Vê-se, portanto, que o texto constitucional impôs rigorosas restrições à publicidade institucional oficial, eis que só a permitiu mediante a expressa observação do princípio da impessoalidade. Sendo assim, a propaganda oficial que ofender tal princípio deixa de ser uma publicidade institucional legítima e assegurada pelo texto constitucional para se revelar em verdadeira promoção pessoal, terminantemente vedada pelo ordenamento jurídico.
Critérios de determinação de promoção pessoal de agentes públicos
Frente a tais considerações, impõe-se examinar em que situações a propaganda oficial extrapola os limites da permitida publicidade institucional oficial para se consubstanciar em veículo promocional do agente público, em manifesta afronta ao princípio da impessoalidade.
Com efeito, a hipótese que se revela mais emblemática consiste em propagandas nas quais, a pretexto de apresentar as principais políticas do Governo, são divulgadas manchetes e/ou chamadas com o nome explícito do agente público, e, até mesmo, fotografia e/ou vídeo do agente, vinculando, de maneira inquebrantável, a pessoa dele às realizações realizadas, como se fosse o responsável direto pelas realizações da Administração Pública. Outro exemplo é o informe publicitário em forma de entrevista com o agente público. Verifica-se, em tais situações, que não se trata de simples prestação de contas, com caráter educativo e informativo, mas, sim, de fatos que servem para "engrandecer" a imagem do agente público, eis que é manifesta a exaltação de eficiência e correção de todos os atos praticados por sua Administração, como se fosse uma conquista pessoal. Portanto, em se tratando de elogios contundentes à Administração Pública, com cunho eminentemente personalístico, a propaganda revela-se como autêntico marketing político.
Entretanto, esta conduta é totalmente contrária aos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade, além de situar-se em antinomia com o comando do artigo 37, § 1º, da CF. O dispositivo constitucional em apreço é suficientemente claro: a publicidade oficial deve ter ênfase educativa, informativa ou de orientação social do ato, sendo absolutamente avesso ao referido preceito qualquer tipo de benefício ou proveito individual.
Pouco importa, ainda, o fato de a propaganda oficial ter sido veiculada, por exemplo, em meio de comunicação de reduzido alcance ou com custo relativamente baixo para os cofres públicos. Isto porque o conceito de impessoalidade não pode ser tomado pela metade. Não existe, aqui, meio termo. A conduta não é mais ou menos aconselhável ou menos reprovável porque se trata de um valor irrisório para o ente federativo. Importa acrescentar, ainda, que ainda que a divulgação fosse custeada pelo próprio agente público, mesmo assim teria que ser proibida.
Por conseguinte, uma vez constatadas as hipóteses supra delineadas, não há que se falar publicidade institucional, mas, sim, em promoção pessoal, em total afronta ao disposto no art. 37, § 1º, da Constituição Federal.
Conseqüências sancionatórias que derivam da promoção pessoal
A propaganda oficial que ofender o princípio da impessoalidade deixa de ser uma publicidade institucional legítima e assegurada pelo texto constitucional para se revelar em verdadeira promoção pessoal, terminantemente vedada pelo ordenamento jurídico, por configurar ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 11 da Lei n. 8.429/92. Pode, ainda, configurar improbidade administrativa por lesão ao erário (art. 10 da Lei n. 8.429/92 ), eis que ao empregar dinheiro público no custeio da publicidade que irá lhe gerar promoção pessoal estará usando, em proveito próprio, a renda da entidade a que presta serviço.
Em tais casos, aplicam-se as sanções previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/92, quais sejam: a) ressarcimento integral do dano; b) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância; c) perda da função pública perda da função pública; d) suspensão dos direitos políticos; e) pagamento de multa civil; f) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.
Registre-se, porém, o entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual o Juiz não está obrigado a aplicar cumulativamente todas as penas previstas no art. 12 da Lei 8.429/92, devendo, ainda, observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na fixação de cada uma delas.
Conclusão
A propaganda oficial que extrapola os limites da permitida publicidade institucional oficial (CF, art. 37, § 1º) se consubstancia em veículo promocional do agente público, em manifesta afronta ao princípio da impessoalidade e causa lesão ao erário, configurando, assim, ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 11 e do art. 10 da Lei n. 8.429/92.
Fonte:
http://jus.uol.com.br/revista/texto/12122/os-limites-da-publicidade-institucional-oficial