A venda de leitos públicos (*)
Artigo publicado no Correio do Povo de sexta-feira, 11/11/2011
A notícia de que o Hospital de Clínicas seguirá aberto a particulares, veiculada pela mídia em outubro, caiu feito uma bomba sobre a já desassistida população gaúcha. Em tese, é um hospital inteiro que deixa de atender os mais carentes: 102 leitos que, reservados a particulares e convênios, se igualam ao tamanho de muitos hospitais do interior.
A relevante informação, no entanto, parece ter passado batida pelos arautos defensores da saúde no âmbito federal, estadual e municipal. O hospital, que recebe a cada mês R$ 408 milhões do MEC e R$ 139 milhões do Ministério da Saúde, tem desfilado nas manchetes pela lotação de sua emergência, intervenções que deixam de ser realizados exames que levam até oito meses para serem efetuados e cirurgias que demoram anos para serem agendadas. O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou a ação civil pública para que o HCPA dedique 100% dos leitos e dos procedimentos médicos praticados ao SUS. A ação foi derrubada pela Justiça Federal. Entendo que o Clinicas, como empresa pública federal, não pode reservar parte de sua capacidade operacional a pacientes particulares e de convênios privados, que inclusive têm acesso mais fácil aos serviços do hospital e acomodações diferenciadas. Isto revela uma face distorcida da questão: impede que os serviços sejam direcionados a quem deles necessita e torna promíscua a relação entre o público e o privado. Faz com que a estrutura pública deficitária seja utilizada pelo setor privado de forma privilegiada, com prejuízo à população mais carente.
Também sou parceiro do MPF, quando este diz que o setor privado não sustenta o setor público no Clinicas. Os procedimentos pagos por convênios e particulares perfazem apenas 6% de sua receita (R$ 32 milhões), mas ocupam a estrutura pública do hospital, custeada pelos recursos públicos que somam 94% de sua receita.
Resta a esperança de que entidades e movimentos comprometidos com o SUS continuem a se perfilar contra a dupla porta nos hospitais públicos. Sentença neste sentido já existe. Em São Paulo, o Tribunal de Justiça deu decisão favorável à derrubada da lei que permitia aos hospitais públicos, geridos por Organizações Sociais de Saúde, vender 25% de leitos e serviços a particulares e planos privados. Foi mais uma ação do atento Ministério Público. A ele, verdadeiro defensor da Constituição de 88 no que concerne à saúde pública, toda a nossa consideração.
(*) Gilmar França – Presidente do SINDISAÚDE-RS
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