Hoje, fazem 20 anos que perdi um grande amigo e quase um "meio-irmão" meu, Itiberê Figueira Osório. Em 1988 foi candidato a prefeito pelo PDT, na segunda eleição direta para prefeito, depois do fim da ditadura no municipio de Três Passos. Filho de um histórico defensor dos presos politicos naquela região, o advogado Benjamim da Silva Osório (que havia recentemente falecido), fez uma campanha politica diferenciada e unica, da qual participei intensamente, percorrendo todos os recantos do município (a época o segundo maior municípios em propriedades de minifúndio do Estado). Eram quatro candidaturas. A dele apostavam que carregaria a lanterna na disputa.
Supreendentemente, chegou em segundo lugar e o seu partido, elegeu três vereadores, quando não tinha nenhuma representação na Câmara Municipal. A derrota plantou a semente de uma possível vitória no próximo pleito, foi o que logo se viu. Infelizmente, em 1992, sofreu um acidente automobilistico quando se dirigia ao trabalho. Venho, depois de 45 dias no hospital, veio a falecer em 28 de fevereiro, uma semana após o nascimento do seu filho.
Presto aqui esta homenagem a este amigo e "meio-irmão" de sonhos e ideais. Não acredito em destino, mas na encruzilhada de 92, a história que caminhava em linha reta, repentinamente, mudou de direção. E com ela eu, e outros. É da vida, nos surpreender.
Cartazete da campanha para a prefeitura de Três Passos de 1988. |
Reproduzo um artigo que foi publicado no Jornal Atualidades de Três Passos, edição de 16.10.1992, findo o processo eleitoral de 1992.
Três Passos, 16 de outubro de 1992.
Caro amigo e irmão,
Escrevo-lhe esta carta passado já o calor da campanha, contados os votos, definidos os perdedores. Escrevo também na saudade da tua ausência e das longas conversas que a estas horas, certamente, estaríamos tendo. Fico até a imaginar o que constaria nas páginas da história que nestes dias escrevemos em Três Passos , com a esta eleição, se aqui estivesses. Pelo que vivenciei nesta eleição, não creio que o resultado pudesse ser diferente, mas a forma como e ele se deu, certamente, seria outra.
Lembro-me de uma vez em que eu te perguntei (quando concorrestes em 88) no que achavas que éramos melhor e mais capacitados do que os nosso adversários para assumir uma Prefeitura. Tu, de pronto, respondestes: “Não creio que sejamos melhores, isto até seria muita prepotência, mas de uma coisa tenho certeza, somos os mais bem intencionados.”
Tal sentimento que nutrias em relação aos companheiros de militância é que deram a ti a ascendência e liderança sobre todos. Foi com tal sentimento que, após tua partida inesperada, nos dedicamos a mais esta campanha. O companheiro e “irmão” teu e meu, o Valdomiro, tomou a bandeira. Seguiu em frente. De peito aberto, como é a sua marca. Imbuído de ideais e sonhos, de projetos e propostas simples e caseiras. Falou ao povo abertamente como tu falavas. Em alguns momentos foi veemente e até contundente. Em tudo eu sempre vi nele a certeza do que era preciso ser feito e dito, mesmo que, às vezes, as palavras parecessem duras demais.
Ao lado do Valdomiro, tínhamos a companheira Maureen. Que mulher de inestimável valor e qualidade, amigo! Sem dúvidas, o PDT sempre apresenta as melhores alternativas em candidaturas em Três Passos. Em 85, foi assim. Em 88, tu mesmo destes a qualidade daquela eleição e, agora, em 92, o Valdomiro e a Maureen.
Fizemos uma campanha como tu farias se cá estivesses. Austera, diante da pobreza da nossa militância e da grande maioria do nosso povo. Honesta e sincera, pois não é da nossa índole a pratica da corrupção eleitoral e nem tentar iludir o povo com promessas descabidas. Ressalto aqui o empenho de toda a nossa militância e, principalmente, dos companheiros candidatos a vereadores. Desde o mais votado ao menos votado, todos leais e empenhados.
Apesar disso tudo, ainda não foi desta vez que o povo decidiu nos provar, nos experimentar. Não levo disso nenhuma mágoa. É da política, dirias. Também não atribuo culpa a ninguém. Como você, sempre acreditei nesta terra e neste povo. Como você, sempre vou amar este pedaço de chão e a sua gente.
Penso que ser derrotado pelo poderio econômico, pelo dinheiro, não é derrota. Ser derrotado por aqueles que se utilizam do poder que tem na mão contra a fome, o sofrimento e as necessidades que passa o nosso povo, não é derrota. Não é derrota poder contemplar de consciência tranqüila o desfile dos vencedores. Penso que, se não vencemos desta vez, é por que uma parcela do povo ainda não conseguiu compreender que as idéias do PDT não cabem dentro de uma garrafa de cerveja, de um terno de camisetas, de um minúsculo rancho ou de uma receita de remédios.
De qualquer forma, cumprido o nosso dever de cidadãos, continuaremos a nossa caminhada, vigilantes e atentos, prontos a colaborar e também a criticar, pois, acima de tudo, neste grave momento por que passa o nosso Brasil é necessário que o povo se sinta responsável pelos PCs, Collor e até Jabes Rabelos que venha a eleger para a prefeitura e Câmara de Vereadores.
Ao finalizar, enquanto a saudade aperta no peito, sinta, em espírito o forte abraço que eu gostaria de te dar, meu irmão. Continuo na luta, junto com os companheiros, não apenas por ti, mas, principalmente, por mim mesmo e por esta amada “terrinha dos três-passinhos”. De resto, creio que Fernando Pessoa tinha razão: “Navegar é preciso, viver não”. Fique bem, aonde estiveres.
Do amigo e “irmão”,
Daniel