Há algo errado acontecendo na rede de atendimento primário em saúde (unidades de saúde da familia – USF- atualmente, denominadas pela administração de Unidades Básicas de Saúde – UBS). Nota-se isso quando se observa o volume de atendimento realizados na emergência do Hospital Municipal Getúlio Vargas. De janeiro até agosto, num total de 244 dias, foram realizadas 32.322 fichas de atendimentos (FA) na recepção da emergência do hospital. Isso quer dizer que passaram pelo atendimento ambulatorial do hospital, em média, 132 pessoas por dia (!) ou então, 6 pessoas por hora (!). A procura é pelas seis especialidades oferecidas no atendimento ambulatorial, evidemente, com predominancia da clinica médica e atendimento pediátrico.
Outro dado que comprova que a rede de atendimento primário em saúde do município não esta apresentando resolutividade ou, pior, não ofertando atendimento médico básico e, ainda, as equipes de Estratégia de Saúde da Familia, estão desarticuladas na sua essência (que é ter um médico especialista em saúde da familia ou comunitária, quer dizer, capacitado para atender inclusive a demanda de consultas de pediatria não especializada), é o volume de FAs para atendimento pediátrico no hospital. Coloco “FA” pois o que há é o registro de que alguém preencheu esta ficha no hospital, não querendo dizer que, ao final, tenha recebido o atendimento. Em vista da incrível demanda ali existente, não é incomum as pessoas que procuram o atendimento para crianças, desistirem do mesmo. Fica, no entanto, a FA registrada no sistema. A média FAs para atendimento pediátrico no ambulatório do hospital que giravam em torno de 21 por dia, no mês de junho chegou a 50 por dia. Ou seja, 32% das FAs preenchidas no ambulatório, no mês de junho referiam-se a procura por atendimento pediátrico. É uma situação que ocorre todo o ano, principalmente, devido as doenças de inverno. Poderia ser minimizada? Havendo uma estrutura de rede bem acompanhada e qualificada, é possível.
Se considerarmos a dificuldade que a população relata de atendimento nas unidades de saúde, por falta de médico ou controle do efetivo trabalho desses, entenderemos por que, não se consegue reduzir a demanda do plantão do hospital. Ainda, não consideramos aqui que existe um Pronto Atendimento (PA) ao lado do hospital - coisa paradoxal- , onde, em média, são preenchidas 40 FAs, por dia (o período é das 17h as 21h, ou seja, pretensamente são realizadas ali, 10 consultas por hora, ou uma a cada seis minutos. Digam-me: é saúde isso? É certo que há nas unidades de saúde em dias intercalados da semana o que se denominou “turno da saúde do trabalhador” (quando as unidades realizam atendimento noturno das 17h às 20h). Mas qual o acompanhamento efetivo da eficácia ou do volume de atendimentos realizados. E, por que, mesmo com isso não se reduz a demanda para o ambulatório do hospital ou para o PA do Centro?
Outro aspecto relevante é o custo que tem toda esta demanda, que não tem resolutividade. O simples atendimento de uma consulta por um médico hoje que não estará amanhã e nem na semana que vem para realizar uma segunda consulta de acompanhamento, compromete a eficácia de qualquer tratamento. Ainda. Qualquer consulta realizada no ambulatório do hospital não tem registro em prontuário. Ou seja, o médico que ali estiver num próximo atendimento no qual vier a mesma pessoa (aliás, sobre isso não há uma estatística, mas considera-se que em torno de 30% dos atendimentos realizados no ambulatório do hospital são de usuários contumazes, que se repetem em várias consultas, até pela falta de resolutividade), não saberá o que foi prescrito para este usuário a não ser por relato do entendimento deste. Resultado: solicita-se novos exames, prescreve-se novos ou mesmos medicamentos – quando se tem um diagnóstico - e não se terá uma conclusão do resultado efetivo do tratamento. Resumindo, atendimentos no ambulatório do hospital resolvem – quando resolvem – a queixa, mas não o problema de saúde do usuário.
Para concluir. Não adianta a atual administração berrar que esta gastando 30% das receitas correntes em saúde, ou seja, o dobro do principio legal obrigatório. Há época do governo passado a despesa com saúde girava ao redor de 28% e a situação não se apresentava com as reclamações que existem hoje, de parte da população. A demanda pelos serviços de saúde é sempre esponencial, crescente. E mais será quanto menos forem as ações e programas voltados a educação, prevenção e promoção da saúde. Então, o gasto elevado não significa saúde. No caso de Estância Velha, tem significando apenas incapacidade e falta de compreensão do que são políticas de saúde, para não dizer incompetência de gestão da saúde. O fato é tal, que ao final da atual administração, ainda não se tem um Plano de Saúde. Um instrumento legal e obrigatório que deveria ter sido elaborado e submetido a apreciação do Controle Social lá no inicio deste mandato. Quando ainda se desconhece os elementos essenciais das políticas e ações de saúde e, pior, desconhece-se os princípios fundamentais do Sistema Único de Saúde (SUS) já que a saúde, no tangente, a atenção primária (básica), é municipalizada, não se pode esperar muito mais do que o que se viu nos ultimos quatro anos. É lamentável. Todos saímos perdendo.
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